Ludologia: O Estudo dos jogos
- Coral Gelmo
- 15 de set. de 2024
- 9 min de leitura
Atualizado: 28 de out. de 2024

Ontem eu tive uma ideia pra um jogo. Um beat up para 4 jogadores, onde você jogaria com um quarteto de sapos ciborgues samurais. Os nomes dos sapinhos seriam: Huizinga, Caillois, Frasca e Juul. Aposto que você pegou a referência! Afinal, Quem não conhece os “pais” da ludologia, não é mesmo?
Bem, euzinha de uns tempos atrás não conhecia. Na verdade, não sabia nem o que caralhos é ludologia. Apesar do nome estranho, é bem fácil de entender: Ludologia é o estudo dos jogos.
O que é Ludologia?
Ludus – Do latim, significa JOGO. Logia – Do grego, significa ESTUDO
Apesar de muito antigas, essas palavras se uniram apenas em 1951 quando nosso querido amigo Per Maigaard’s usou a carta de polimerização e cunhou o termo que usamos até hoje. Exatos 21 anos antes de Pong, o primeiro AAA da história, ser lançado.
Porém, mais antigo que as palavras que nomeiam essa área de estudo é o próprio costume de JOGAR. A humanidade joga há muito tempo, muito tempo mesmo. Por mais que você pense ser o primeiro gamer da sua família, muito provavelmente os avós de seus avós jogavam.Acredite se quiser, mas já encontramos dados feito de ossos de animais que datam de 3500 A.C. Muito antes dos cassinos digitais de hoje em dia, com certeza algum antepassado meu já havia perdido tudo no jogo do tigrinho dente de sabre.
Todos os povos que percorreram os quatro cantos do planeta tinham seus próprios jogos. Jogar faz parte da nossa existência, assim como o ato de contar histórias. E pensar sobre o que jogamos e como jogamos é parte intrínseca do jogar; ou pelo menos era...
Hoje, quem pensa sobre o que jogamos são esses malucos de faculdade chamados Ludologistas. Eles e funcionários de empresas como Ubisoft e EA.
A indústria de jogos conta com um verdadeiro exército de Psicólogos, sociólogos, neurocientistas e muitos outros estudiosos, todos focados numa única missão: entender como o ato de jogar afeta a mente humana.
Missão essa cujo objetivo final é saber exatamente como fazer você passar o máximo de tempo possivel em um jogo, gastando todas as suas economias em skins ou cartinhas de fifa.
Devido a isso, essa é uma área de estudo em disputa; e apesar de sapos ciborgs samurais serem grandes aliados numa briga, sinto dizer que os Ludologistas Huizinga, Caillois, Frasca e Juul que emprestam os nomes aos meus sapinhos não passam de pobres nerds brancos. Pra piorar, 1 deles é idoso... Quer uma outra má notícia? Dois já estão mortos. É, aparentemente o Sr. Jesper Juul vai ter que chamar no bigode!
Mas isso é o que acontece quando dividimos a sociedade entre: quem joga, quem faz o jogo e quem comenta o jogo sendo jogado.
Ludologistas famosos (Ou conhecendo os homenageados por SAPOS CIBORGUES SAMURAIS)
Johan Huizinga - Holanda

Huizinga – Um Sapo Cururu ranzina que usa uma fita vermelha em seu coque e empunha uma longa Katana Laser.
Johan Huizinga foi um ludologista holandês e escreveu o ensaio mais famoso das rodinhas ludológicas mundo afora: Homo ludens: O jogo como elemento da cultura.
Nosso amigo de sapatos de madeira além de abordar a relação humana com jogos, também aborda em seu livro 4 características que estão presentes em TODOS os jogos. (Velhinho ousado, cheio de querer dar explicação.)
Segundo Huizinga, todo e qualquer jogo contém:
1 – A voluntariedade dos jogadores em participar do jogo;
2 – Regras;
3 – Uma relação espaçotemporal definida (Basicamente: onde se joga o jogo, quando começa e quando acaba;)
4 – A evasão da vida real (O que acontece no jogo não impacta a vida real.)
Roger Caillois - França

Caillois – Um Sapo Boi muito inteligente que usa uma fita roxa em seu coque e empunha um lança Yari magnética.
O Ludologista Francês Roger Caillois foi ainda mais ousado e em seu livro Os jogos e os homens: A máscara e a vertigem separou TODOS os jogos em apenas 4 gêneros!
Ludologistas europeus aparentemente tem alguma fixação com esse número.
São eles:
1- Jogos de competição: Futebol, dominó, League of Legends, CS etc;
2 – Jogos de sorte: Bingo, Roleta, abrir pacotes do ultimate team etc;
3 – Jogos de Simulacro: Teatro de improviso, Policia e Ladrão, Rpg de mesa, Deus Ex, Disco Elysium etc;
4 – Jogos de Vertigem: Rodar até ficar tonto, Balanço, montanha russa, Outlast, Amnesia.
E aí, seu jogo favorito se enquadra em alguma categoria definida por Caillois?
Jeesper Juul - Dinamarca

Juul – Um Sapo martelo metido a engraçadinho que usa uma fita laranja em seu coque e uma naginata elétrica como arma.
Alguns estudiosos de narrativas, os narratologistas, analisam os jogos de video game apenas pela sua história. Jeesper Juul é o ludologista Dinamarquês que cospe na cara dessas pessoas.
Em sua tese de mestrado de 1999 o enfezado Jeesper argumenta que os jogos “em termos práticos não podem contar histórias.”
Para Jeesper, os jogos são as regras e a história é só perfumaria. Em suas próprias palavras:
"A maioria dos videogames cria mundos fictícios, mas os jogos fazem isso da sua própria maneira oscilante: o herói morre e reaparece momentos depois; jogos de estratégia permitem que os jogadores ‘‘construam’’ novas pessoas em poucos segundos; o jogador morre e carrega um jogo salvo logo antes de morrer; personagens do jogo falam sobre os botões que o jogador deve apertar.
Estas coisas significam que os mundos fictícios de muitos jogos são contraditórios e incoerentes. Todavia, o jogador não necessariamente vai perceber isso, uma vez que as regras do jogo podem fornecer um senso de direção mesmo quando o mundo ficcional tem pouca credibilidade."
Com o passar do tempo Jeesper conseguiu controlar sua fúria e hoje ostenta opiniões menos ácidas às narrativas apresentadas em jogos. Porém, seus gritos ensandecidos do passado ainda tem os ecos ouvidos em toda conversa sobre a tal da dissonância ludonarrativa.
Gonzalo Frasca - Uruguai

Frasca - Líder do grupo, uma rã de brejo que usa uma fita azul em seu coque e carrega consigo uma uchigatana super sônica.
Gonzalo Frasca, um simpático senhor uruguaio, é um ludologista que contrapõe a discussão LUDOGISTA X NARRATOLOGISTA com uma terceira via. Para ele, jogos (e principalmente video games) tem história, mas não necessariamente o tipo de narrativa que se apresenta em filmes e livros.
Para Gonzalo, a história dos jogos é o que acontece quando o jogador interage com a simulação (jogo) para além de seguir ou visualizar a narrativa padrão de PONTO A até PONTO B. A história que surge da interação do jogador com a simulação é o que chamamos hoje de Narrativa Emergente.
Em The Witcher 3, por exemplo, você joga como um caçador de monstros barra pesada que vive de eliminar toda horda de criaturas malignas por preços módicos.
Isso é a narrativa padrão.
Apesar do jogo apresentar diversos combates contra humanos, quando euzinha joguei The Witcher 3, criei a regra de que só mataria MONSTROS. Então todos os combates contra humanos eu fazia no soco, na mão limpa.
Demorava horrores, mas ninguém tinha seu sangue derramado atoa. Depois de muitas horas de jogo eu encontrei um humano que agia como monstro, portanto tomei a decisão de mata-lo. Depois de fazer isso, me peguei pensando que aquele foi o primeiro humano que matei desde que cheguei aquelas terras e talvez fosse o pior monstro que eu tinha encontrado até então.
Isso é a narrativa emergente. (ou como chamado pelo nosso amigo Gonzalo: Simulação)
Sobre essas experiências emergentes Frasca diz:
"A simulação (os jogos) contesta nossas noções de autoria e também os limites que estamos acostumados a aplicar para compreender às obras de arte."
O mais interessante de Gonzalo, para mim, é a distinção que ele faz entre jogos e advergame (jogos propaganda). Já em 2003 ele subverte esse termo do uso comum de JOGO DE MARCAS (como o famigerado Pepsi Man de PS1) e o expande para qualquer jogo que queira ser uma plataforma de venda de produtos ou canal para a propagação de uma ideologia.
Fico imaginando o que esse colega pensa hoje de jogos sendo feito pra vender passe de temporada e lootbox ou de jogos como Call of Duty se em 2003 ele já dizia:
“... A indústria de jogos de video game tem sido bastante conservadora desde que o pessoal do marketing assumiu o controle, incentivando a clonagem em vez da originalidade.”

Estudar jogo? Eu quero só jogar, me deixa em paz!
Nesse ponto, caro colega leitor, eu não espero que você esteja maravilhado com esses belíssimos espécimes de pensadores de botões. Eles são apenas jogadores, como você e eu. Eles jogam pra se divertir, pra viver boas experiências e tenho certeza de que todos já deram um bom rage quiet de uma partida!
Meu objetivo aqui é despertar o seu interesse na ludologia. Mas tenha calma, caso você esteja achando que eu estou militando para transformar nossos queridos jogos em seu constate objeto de estudo... Saiba que está parcialmente correto leitor, PARABÉNS!
Diz ai nos comentários qual a sensação de estar semi-certo.
Digo parcialmente porque meramente me limito a te convidar a pensar nas coisas que jogamos e em como jogamos. Eu, particularmente, me divirto bastante gastando neurônio pensando no porque os jogos são do jeito que são. Acredito que enriquece minha experiência como jogadora e me faz aproveitar ainda mais os jogos que tanto amo.
Mas atente-se que por “estudar jogos” eu não quero dizer que você precisa entrar numa faculdade e fazer pesquisas acadêmicas como os ludologistas supracitados. Se o ato de jogar é intrínseco a todo ser humano, o ato de pensar jogos também o é. Dado o fato de que ninguém precisa de um mestrado em game design para jogar, eu afirmo que ninguém precisa disso para pensar jogos.
Estudar jogos, porém, não tem como único benefício apenas ser divertido, fique sabendo!
Os amigos Huizinga, Caillois e Juul usam a ludologia para tentar entender a mente e compreender as subjetividades e simbolismo dos jogos, mas Gonzalo Frasca, por outro lado, acredita que:
“O estudo sobre jogos algum dia conscientizará os jogadores que os jogos não estão isentos de conteúdo ideológico.”
Jogos são portais para a alegria, a imaginação e o sonhar. Uma atividade que surge da necessidade fundamental de se expressar dos jogadores. Jogamos por que queremos jogar, porque os atos feitos dentro das 4 linhas imaginárias do jogo nos preenchem como indivíduos.
Mas nossos queridos joguinhos são também uma ferramenta de aprendizado, amadurecimento interno e compressão do mundo. Jogar sem pensar sobre o que se joga é se colocar à mercê de quem opera esta ferramenta de forma perversa.
Todo dia sai um malandro e um otário, quando os dois se cruzam uma pessoa compra por R$300 reais um jogo da Ubisoft que só ficará de fato completo daqui 2 anos (e dois passes de temporada de R$150 cada)
Estudar jogos é diminuir a quantidade de otário nas ruas. As grandes empresas de jogos sempre vão tentar praticas predatórias e abusivas, cabe a nós jogadores sermos espertos pra não tomar o golpe.
Saber como jogos são feitos também te permite ver quando alguém está tentando te enfiar uma ideologia guela abaixo sem que você perceba. E não falo da baboseira de “cultura woke”, não...
Eu to falando de conseguir identificar o caráter ideológico de uma simulação de exército de um homem só onde suas ações são apenas glorificadas e incentivadas pelas regras do jogo. Simulação essa que é contratada por fabricantes de armamento bélico para exibir suas marcas e modelos de armas. Não precisa de muito pra encarar esse tipo de jogo como um advergame (jogo propaganda.)
E a você aí, que recebe agora minhas palavras através da luz fria de uma tela, eu pergunto: a quem interessa que a sociedade seja dividida entre fazedores de filme, assistidores de filme e críticos de filme? Com os jogos, uma mídia intrinsicamente interativa, os cargos de fazedores de jogos e jogadores de jogos são ocupados pelas mesmas pessoas, mas o ato de se pensar sobre jogos é feito por pouquíssimos, tal qual o cinema.
Se você não pensa, outra pessoa pensará por você, colega leitor... e você não é piolho pra ficar indo pela cabeça dos outros, certo?
Ao entendermos o JOGO como atividade natural e necessária da vida humana, além de percebemos a riqueza da atividade de jogar, também nos colocamos como garantidores de que todo indivíduo possa assumir o controle e vivenciar as intensidades do jogo.
E agora, a surpresa da noite: Talvez você já seja um Ludologista e nem saiba disso!
Se você já criticou as práticas da Nintendo, as DLCs vazias e superinflacionadas de algumas empresas ou a falta de originalidade da indústria... você está PENSANDO jogos, não somente JOGANDO. Pensar sobre os jogos te permitiu enxergar essas coisas como “negativas” a atividade de jogar, algo que essencialmente PIORA a experiência de jogar.
Talvez em Sapos Ciborgues Samurais 2 seu nome seja homenageado pelo 5º membro secreto do quarteto da justiça! Já pensou? Que responsa hein...
Como uma grande repórter disse uma vez: Não dá pra ficar só em casa jogando Videogame, né?
Mas, se você assim como o menino João acha que SIM, da pra só jogar videogame... fique tranquilo! É claro que você pode optar por apenas se divertir com jogos, é uma escolha pessoal. Mas, pelo menos, agora pode escolher isso sabendo que existem outras maneiras de se vivenciar jogos.

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