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Beyblades caseiras e os jogos competitivos

  • Foto do escritor: Coral Gelmo
    Coral Gelmo
  • 28 de out. de 2024
  • 8 min de leitura

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Leri Ripi


Com 6 anos de idade eu queria ser treinadora pokemon quando crescesse. O tempo, porém, vem para todo mundo; um dia acabamos amadurecendo e abandonando nossos fantasiosos sonhos infantis. No meu caso foi aos 7 anos. Lembro exatamente do dia em que, ao assistir uma partida incrível na televisão, decidi virar atleta!


Atleta de beyblade...


Bastou 1 episódio para que eu soubesse que nada se comparava a adrenalina de gritar LERE RIPI antes de puxar a cordinha e ver aquela máquina de guerra em formato de pião caindo na arena de batalha. Comecei a comer minha própria roupa quando vi dois monstros saírem dos gira-gira e começaram a brigar!


Pra minha tristeza, porém, rapidamente descobri que tal qual o jóquei, a fórmula 1 e a política partidária, beyblade era um esporte da elite. E assim como minha mãe não tinha dinheiro para adquirir um cavalo ou financiar minha campanha para vereadora, ela também não tinha grana pra me comprar uma beyblade digna de uma ferabit.


Na minha escola muitas crianças foram abatidas pela febre das beyblades, mas apenas algumas eram abastadas o suficiente para comprar aquelas de ferro, resistentes a dano, impactantes ao golpear e com leds que ofuscavam a visão do adversário. Algumas até tocavam musica enquanto giravam, acredito que na tentativa de confundir o oponente.


A maioria, assim como eu, tinha uma de plástico véia e xexelenta de R$1,99. Não tinha muita graça jogar pra, com toda certeza, perder pra uma criança endinheirada.

Graças aos deuses da jogaatina, porém, crianças são os melhores designers de jogos que existem; é claro que uma barreira econômica não nos pararia. Eu não lembro exatamente como ou quando aconteceu, mas um dia uma criança chegou na escola com uma beyblade feita a mão!


Um bico de detergente, com um peso no meio e um pedaço de relógio em volta. O LERI RIPI era feito com um lápis e um barbante. Eu mal conseguia acreditar, mas vi essa beyblade ganhar de todas as de ferro e leds piscantes.


É claro que os donos das beyblades caras propuseram a ideia de BANIR a nova competidora, mas as outras crianças quiseram fazer uma igual àquela. No dia seguinte, todas as máquinas de batalha rodopiando no pátio da escola eram caseiras.


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Se no começo beyblade foi um jogo competitivo estilo pay-to-win (pague para vencer) depois disso passou a ser um jogo competitivo de montar BUILDS. O que pra qualquer pessoa seria lixo, para nós eram peças de beyblade! Prego, parafuso, lacre de latinha, parte de bicicleta, calota de carro, âncora de navio, bala de revolver... O que encontrássemos na rua virava uma parte de nosso pião futurista.


Infelizmente, descobri que eu também não era boa em montar build de beyblade, então quase sempre perdia da mesma forma. A derrota, porém, não tinha o mesmo gosto amargo de antes. Eu sabia que tinha perdido porque não tinha feito uma beyblade boa, que se tivesse ideias melhores, poderia vencer. Era uma competição igualitária, todos partíamos do mesmo ponto de largada, independente da grana que tivesse.


Não lembro porque a onda das beyblades passou, mas sei que jogamos por vários anos esse incrível jogo competitivo!

O que faz um bom jogo multiplayer competitivo?


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Um dos pilares fundamentais do que caracteriza a atividade JOGAR, na minha opinião, é o que chamamos de “Ausência de consequências reais”. O nome é grande, eu sei, mas o conceito é relativamente simples.


Jogos, no geral, devem acontecer dentro de um campo imaginário sem consequências no mundo real. Perder ou ganhar numa partida de taco não tem consequências reais na sua vida, assim como deveria ser numa partida de LOL.


A exceção a essa regra é quando o jogo vem, dentro de suas regras, incorporada de outra atividade humana. A aposta!


Poker, jogos de bolinha de gude, jogos de figurinhas e de tazos, ou mesmo uma partida de taco valendo uma coca 2 litros são jogos que envolvem o fator aposta. Todavia, nesses casos, a aposta integrada ao jogo como MECÂNICA. Uma mecânica previamente acordada e aceita por todos os participantes


Em paralelo a isso, algo muito pontuado pela comunidade ludológica como inerente a jogos competitivos é a plena definição da equidade de condições.


Numa partida de futebol institucionalizada a equidade de condições se dá pela igualdade de 11 jogadores de cada lado, o mesmo número de substituições para ambos os times e exatamente o mesmo tamanho de gol.


Numa partida de futebol de rua equidade de condições pode significar uma partida ser de 4x5 porque o time com quatro jogadores tem gente muita boa. Ou um gol ser um pouco maior que o outro por estarem jogando numa ladeira.


A equidade, assim como tudo nos jogos, faz parte de algo previamente acordado pelos jogadores. O que define a igualdade de condições de uma partida deve ser o julgamento pessoal daqueles que a estão jogando, não de quem está de fora. Ninguém melhor do que os jogadores que fazem o jogo para definir sua equidade.


Como exemplo de algo que pessoalmente considero uma perversão do espírito de equidade dos jogos cito o fato de: um time de futebol poder e ter condições financeiras de oferecer uma quantia extra a seus jogadores caso eles façam gol. A possibilidade de ganhar mais dinheiro pode dar motivação ou desmotivação extra para alguns jogadores e desequilibrar o jogo.


Sejamos sinceros, colega leitor. Quero que imagine que você e eu somos jogadores de futebol de várzea, ganhando uma miséria por partida jogada, isso quando ganhamos algo além de pao com margarina e guaraná vagabundo. Com isso em mente, quero que pense no seguinte cenário:


Seu aluguel está atrasado; nossos times jogarão a semi-final do campeonato da várzea e os donos dos times ofereceram R$500 por gol. Isso te motivaria a jogar melhor? Talvez.

Mas, talvez na verdade te desequilibrasse e o nervosismo por ter que fazer o gol para pagar as contas te faça jogar mal. Talvez seu time perca porque você errou ao tentar fazer o chute a gol todo desequilibrado ao invés de tocar para o parceiro livre, já que assistência não tava pagando nada.


Já eu sou filha do dono do mercado que patrocina o time rival, moro com meus pais e ganho uma mesada de 6x o valor do extra por gol. Seria legal ganhar R$500, mas não é um dinheiro que vai me fazer falta.


Acha que jogaremos o mesmo jogo? Um gol pra você significa pagar o aluguel atrasado, pra mim significa apenas ganhar a partida. Para o bem e para o mal, não existe equidade de condições aqui.


Também não existe a “Ausência de consequências reais”, pois fazer um gol tem uma consequência real na sua vida, uma consequência que não foi previamente acordada com todos os jogadores do campeonato.


Pessoalmente acredito que, a longo prazo, jogar um jogo que desvirtua o caráter lúdico da sua atividade o torna chato, maçante e estressante. Em suma, um jogo ruim. Some isso a ideia de que um jogo que fere o espirito competitivo da equidade faz nossa cabeça entrar em parafuso; perder por algo que não é nossa culpa simplesmente nos estressa. Quando a vitória é associada a “prêmios” então... temos o fim de um belo jogo e o início de um show de horrores.


Sendo assim, a resposta pra pergunta “porque tal jogo competitivo me estressa?” se mostra bem simples: Porque é um jogo ruim.


O que isso tem a ver com multiplayer online?


Você pode não ter percebido, colega leitor, mas a última sessão do artigo foi um baita “tira casaco, coloca casaco”. Sem que você pudesse perceber eu te manipulei como uma marionete e te ensinei um truque ou outro sobre como perceber se jogos multiplayers competitivo são justos e honestos. Não me agradeça, jogue uma moeda no meu boné e siga seu caminho sem olhar pra trás.


Aposto que mesmo antes de nosso treinamento ninja você já conseguia perceber mecânicas predatórias como a famigerada Lootbox ou jogos onde você compra com dinheiro real itens que te deixam mais fortes etc


Mas a partir de agora você tem a completa capacitação para, há léguas de distância, enxergar um multiplayer ruim querendo te abraçar, estender a mão na frente do peito e dizer: XÔÔÔ SATANÁÁÁÁÁÁS.


Aperte as pálpebras e estique as retinas enquanto se acostuma com seus novos olhos de lince observando ROCKET LEAGUE. Agora me diga, Rocket League... é um bom multiplayer competitivo?

...... 

Depende? Como assim depende, colega leitor?


Okay, aparentemente o treinamento foi mais intenso do que eu planejava...



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Rocket League e a Síndrome do Elo


Meu amado Rocket League e infinitos outros jogos competitivos online tem um potencial gigante de te infectar com a síndrome do elo. Tudo começa quando dizem que num complexo sistema de classificação online você faz parte do ranking bronze e, vendo sua posição, você decide subir para o ranking prata. Por “decide” talvez eu tenha sido meio leviana, o jogo na verdade te empurra pra você achar que a melhor coisa a se fazer é subir de classificação, o famigerado ELO (e ainda faz você pensar que foi ideia sua, mó papo de Inception)


Quando chega no prata, quer ir pro ouro, depois pra platina e assim por diante, até um nível que há muito abandonou a classificação olímpica e tem um nome como “Lenda Lendária Lendosa.” Acontece que Rocket League era pra ser sobre carros gentilmente chutando “la pelota!” (bola em espanhol), não sobre “subir de elo.”

 

Qual é a consequência de uma derrota em um futebol de carros? Basicamente... nenhuma.

Qual é a consequência de uma derrota em um jogo de escalada de elo? Deixar de subir pro próximo elo ou, pior, cair pro elo anterior. É aqui que a porca torce o rabo e o leitão não vê.

 

Tal qual a mente do meu amado tio-avó Nelson e a amigável solitária que por anos habitou seu intestino, esses dois jogos dividem o mesmo corpo!


A síndrome do elo faz você esquecer o doce e gentil tio-avô Nelson e focar somente no verme! Esquecer do jogo sobre futebol com carros e só pensar na escalada de classificação.


Por isso a resposta: DEPENDE!


Se você estiver jogando o Rocket League de futebol de carros: é um ótimo jogo competitivo online


Se você estiver jogando o Rocket League de subir de elo: é um jogo ruim, CAI FORA DESSA, CHAPA!



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Pokémon Unite e times lixo


Pokémon Unite é tipo LoL, só que de marcar pontos. Se a NBA e LOL tivessem um filho seria Pokémon Unite. Então, sim da pra matar seu oponente como em um MOBA, mas se ganha a partida fazendo pontos na cesta, como no basquete estadunidense.


Acontece que muita gente não deve ter ficado sabendo muito bem disso...

Já estive em diversas partidas que meu time matou mais e pontou menos, nos levando a derrota. Ao fazerem isso, não intencionalmente, elas jogam “outro jogo”. Digo não intencionalmente pois essas ações decorrem de não conhecer o “meta-game”.


Se o jogo não te ensina a joga-lo, a única coisa que você pode fazer é presumir as regras; naturalmente usando como parâmetros os outros jogos que já jogou.


Imagine que você, caro leitor,  me convidou para uma partida de futebol de salão com seus amigos do clube do livro.


No dia do jogo, eu sou meio perna de pau, e apesar de me esforçar muito e sair em bicas de suor... não consigo contribuir muito e acabamos perdendo a partida. Qual seria sua reação?


Mas, em outro caso, e se eu tivesse a brilhante ideia de jogar ajoelhada durante a partida toda e, por consequência disso, nós perdêssemos... qual seria sua reação?

 

Perder porque o outro time foi melhor é parte fundamental da experiencia de jogos competitivos, mas perder porque alguém não seguiu as regras do jogo fere o espirito esportivo e torna a experiencia um desprazer.


Jogos competitivos divertidos que tem seu espirito esportivo quebrado passam a ser jogos ruins.

Conclusão Conclusiva


Agora me diga você caro leitor, quais jogos competitivos você acha que poderiam ser divertidos se não fosses jogos ruins?


Como podemos trabalhar nossa mente para não cair nas garras da síndrome do elo?


Qual jogo competitivo da infância você sente mais saudade e acha que poderia ser um bom exemplo de jogo competitivo justo e divertido?


 
 
 

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